Este estudo foi publicado originalmente em 2006, no 3º Congresso Online do Observatório para a Cibersociedade (OCS). E em 2011 pelo portal E-Gov da UFSC.
Por Aires José Rover e Alexandre Golin Krammes
Informação Processual na Internet e Publicidade: novos ambientes para velhos princípios
Palavras-chave
Informação, judicial,
internet, princípios, publicidade
Resumo
A disponibilidade de
informações relativas à processos judiciais é cada vez maior, devido,
principalmente, ao uso da internet. Porém ao mesmo tempo em que é garantido um
acesso mais amplo à Justiça, surgem questões importantes a serem repensadas
quando se trata do direito à privacidade. O presente artigo tem como objetivo
analisar as disposições legais acerca da publicidade de informação judicial, verificando
a atual amplitude das informações relativas a processos judiciais disponíveis
na internet. Por fim sugere-se uma reflexão sobre a compatibilidade dos novos
recursos de publicação de atos processuais com o princípio da publicidade e o
direito individual à privacidade.
Abstract
The availability of
information related to judicial processes is increasing due, mainly, to the use
of Internet. However, at the same time that a broader access to justice is
guarantee, when it comes to the right to privacy there are important questions
to be rethought. The aim of this article is to analyze the legal provisions on
the publicity of judicial information, and verify the actual amplitude of the
information related to judicial processes that are available on the Internet.
In conclusion, we suggest a reflection on the compatibility between the new
resources to publicize judicial acts, the principle of publicity and the
individual right to privacy.
1 – Introdução
Atualmente os métodos
informatizados para o gerenciamento de processos judiciais aumentaram muito a
qualidade e a disponibilidade das informações relativas ao andamento processual.
Em alguns casos é possível acessar páginas contendo um verdadeiro espelho do
que acontece nos autos em papel. Com o avanço da informatização nos tribunais os
processos tendem a ser cada vez mais públicos, devido à facilidade com que as
pessoas poderão acessar informações a partir de simples argumentos de busca ela
internet.
O presente artigo tem
como objetivo analisar as disposições legais acerca da publicidade de
informação judicial. Após verificar a atual amplitude das informações relativas
a processos judiciais disponíveis na internet. Partindo dessa análise pretende-se
verificar a compatibilidade dos novos recursos de publicação de atos
processuais com o princípio da publicidade, explícito na Constituição Federal e
mencionado no Código de Processo Civil.
Por fim, o estudo
proposto visa tecer comentários sobre as diversas opções de consulta
encontradas nas páginas dos Tribunais de Justiça do Brasil. Com isso
pretende-se, não apenas chamar a atenção para situações potencialmente danosas
aos participantes de um processo, mas também refletir sobre as possibilidades
de uso da internet como ambiente público de informação.
2 – O Princípio da
Publicidade dos Atos Processuais
O amplo conhecimento
dos atos praticados pelo poder público é um tema tratado em vários dispositivos,
não só da legislação brasileira. Assim dispõe o artigo 10º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem:
Art. 10º: Todo homem tem direito, em plena
igualdade, a uma justa e pública audiência, por parte de um tribunal
independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
A Constituição Federal,
lei máxima do nosso país, menciona o princípio da publicidade em vários
artigos.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LX: a lei só poderá restringir a publicidade
dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o
exigirem.
Esse princípio, que
visa dar ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, ainda
é mencionado mais adiante em outro dispositivo da Carta Magna promulgada em
1988:
Art. 37. A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
A idéia é que não pode
haver, em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder emana do povo,
conforme dispõe o art. 1º da Constituição Federal de 1988, parágrafo único,
ocultamento aos administrados dos assuntos que todos interessam, aos sujeitos
individualmente afetados por alguma medida, e muito menos em relação a qualquer
cidadão. Assim, a publicidade assegura que a gestão da coisa pública seja
realizada de maneira cristalina, de maneira a propiciar o conhecimento dos atos
dos administradores, possibilitando a participação e controle por parte dos
cidadãos (MELLO, 2000, p. 104).
Ensina Hely Lopes
MEIRELES (2000, p. 89) que:
A publicidade, como princípio de
administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não
só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de
propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa
publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processo em
andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos
intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos
com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as
prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isto é papel ou
documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer
interessado, e dele pode obter certidão ou fotocópia autenticada para os fins
constitucionais.
MEIRELES completa a
conceituação indicando que a publicidade não é elemento formativo do ato, mas é
requisito de eficácia e moralidade. Juarez FREITAS (1999, p. 70) traz a tona
outros elementos, indicando que o agente público precisa prestar contas de seus
atos, de forma a preservar sua própria reputação. Somente é possível admitir o
segredo dos atos por excepcional e estrita exigência superior do interesse
público ou por ditames da dignidade humana.
Mais adiante a
Constituição continua tratando do tema da publicidade, mas especificamente em
relação aos atos do Poder Judiciário. Assim dispõe o
artigo 93, inciso IX da CF:
IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação
do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação;
O Código de Processo
Civil também aborda a questão em seu artigo 155:
Art. 155. Os atos processuais são públicos.
Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I - em que o exigir o interesse público;
II - que dizem respeito a casamento,
filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e
guarda de menores.
Parágrafo único. O direito de consultar os
autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus
procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao
juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha
resultante do desquite.
Mais adiante também
dispõe o CPC tratando especificamente da realização de audiências:
Art. 444. A audiência será pública; nos casos
de que trata o art. 155, realizar-se-á a portas fechadas.
A publicação de dados
judiciais na internet também já foi tema abordado em congresso internacional
realizado na Costa Rica em 2003. O evento foi elaborado com a participação de organizações da
sociedade civil, estudiosos e representantes dos Poderes Judiciários de vários
países da América Latina e Canadá. O documento final do congresso, intitulado
“Carta de Heredia”, propõe princípios básicos a difusão deste tipo de
informação na internet.
Assim são colocados os
dois primeiros dispositivos do documento:
1. A finalidade da difusão em internet das
sentenças, e despachos judiciais será:
a) O conhecimento da informação
jurisprudencial e a garantia da igualdade diante da lei;
b) Para procurar alcançar a transparência da
administração da justiça.
2. A finalidade da difusão em Internet da
informação processual será garantir o imediato acesso das partes, ou dos que
tenham interesse legítimo na causa, a seus andamentos, citações ou
notificações.
A partir desses
pequenos trechos é possível notar duas diretrizes básicas cada vez mais
exigidas dos estados modernos: a transparência da administração pública e o
princípio da publicidade dos atos judiciais. Arildo Oliveira comenta em
monografia premiada pelo Tribunal de Contas da União que com a popularização da
internet surge o meio mais promissor de criar uma tradição de acompanhamento e
controle das ações do poder público pela sociedade.
3 – O Processo Judicial na Internet
Atualmente alguns
sistemas utilizados no Poder Judiciário possuem rotinas de automação que
proporcionam um gerenciamento completo dos atos realizados diariamente. Desde o
protocolo da petição inicial até o arquivamento definitivo vai sendo formado um
histórico de cada processo, que indica seu caminho e os atos nele praticados. A
quantidade e a qualidade das informações geradas pelo uso de sistemas
informatizados nas atividades desenvolvidas em cartórios judiciais, gabinetes
de magistrados e outros setores de fóruns e tribunais é muito variada.
O tipo de informação
mais encontrado nas páginas dos tribunais brasileiros é o chamado andamento ou
movimentação processual. Essas denominações lembram de um tempo onde os
registros processuais eram feitos em pequenas fichas de cartolina. Consistem
basicamente de denominações de uso geral pelos operadores do direito, e
descrevem de forma resumida e genérica o ato que foi praticado nos autos.
Em alguns casos as
funcionalidades não são utilizadas adequadamente. Sem muita pesquisa é possível
achar movimentações onde dados relativos à organização interna de trabalho dos
servidores do Judiciário são publicadas, ao invés de dados relevantes para as
partes e advogados do processo. Porém, o propósito neste momento é não levar em
consideração a má utilização dessas ferramentas, seja por falta de treinamento
adequado ou limitações do próprio ambiente. O certo é que em muitos casos a
tecnologia tem ampliado significativamente o acesso as informações processuais.
Os critérios de
pesquisa processual das movimentações nos sites dos tribunais brasileiros não
seguem um padrão. São grandes as variações de uma instituição para outra.
Porém, normalmente os parâmetros de pesquisa mais básicos utilizados são os
números do processo e o nome das partes e advogados. Já existem páginas com
recursos de pesquisa que possibilita a localização de processos que envolvam
pessoas com os nomes foneticamente semelhantes, mas com grafias distintas.
Após a digitação dos
argumentos de pesquisa e a ativação da busca, é exibida uma nova página
contendo as ocorrências encontradas. Pode ser exibido um conjunto de processos
que atendam aos argumentos pesquisados, caso muito comum quando o argumento
utilizado é o nome de alguma parte ou advogado. Ao clicar sobre algum dos
registros apresentados é permitida a visualização de seus dados individuais.
Ao contrário dos
argumentos de pesquisa, que variam muito pouco de um órgão para outro, grandes
diferenças são notadas na forma de apresentação do conteúdo. Grande parte dos
sistemas apresenta inicialmente os dados principais de um processo como número,
vara competente, classe, situação, data da distribuição, nomes de partes e
advogados. Após são apresentadas as movimentações processuais propriamente
ditas.
Para cada processo são
listadas movimentações das mais variadas naturezas em ordem cronológica. Em
alguns tribunais é possível encontrar detalhes sobre a retirada do processo por
algum dos participantes do processo; a marcação de audiências; o apensamento de
autos dependentes como petições intermediárias e incidentes processuais, entre
outros.
Estritamente ligado com
as movimentações, está uma espécie de ato realizado nos processos judiciais que
merece destaque: a elaboração de novos documentos. Em algumas instituições atualmente
já é possível encontrar a vinculação do andamento processual com documentos que
fazem parte do processo. Dessa forma, além da indicação de existência de um
ato, encontram-se, em vínculos dependentes, os próprios mandados, despachos,
sentenças e outros documentos que compõem o processo.
Em relação à publicação
de documentos foram notadas algumas maneiras distintas de apresentação das
informações de um processo na internet. Na maneira mais comum são apenas
listadas as movimentações que indicam a produção e juntada de um documento
novo. Porém isso acontece em grande parte das vezes de forma bastante resumida
e simplificada, indicando apenas o tipo de documento produzido. Mas também podem
ser encontrados registros que indicam o trecho principal do ato determinado
pelo julgador. Vale ressaltar que apenas isto já é um grande salto, pois
dependendo da clareza de redação facilita o entendimento da situação por
qualquer pessoa medianamente instruída.
Existem sistemas que disponibilizam
dois tipos de interação e consulta ao meio digital de um processo. Na consulta
pública, acessada livremente por qualquer pessoa na internet, é permitida a
visualização do andamento geral do processo e dos principais documentos
produzidos pelo juiz, como despachos e sentenças. Já o ambiente interno da
página, reservado aos advogados cadastrados, possibilita que todos os documentos
sejam consultados. Em outro caso pesquisado não existe uma diferenciação entre
ambientes de acesso à informação. A partir de qualquer computador conectado a
rede é oferecido o acesso integral aos autos através da consulta pelo site do
tribunal.
O fato é que cresce cada
vez mais a importância das informações veiculadas nas páginas dos tribunais de
Justiça, tanto pela facilidade de acesso quanto pela transparência oferecida
pelo meio. A Ordem dos Advogados do Brasil já emitiu documento indicando a elaboração
de uma proposta de lei para que as home pages dos tribunais sejam considerados
órgãos oficiais de publicação.
Tramita no congresso o
projeto de lei n. 5828/2001. Originado por sugestão da AJUFE (Associação dos
Juízes Federais do Brasil), visa regulamentar o processo judicial eletrônico no
Brasil. Esse fato reafirma a importância, não apenas de agregar as facilidades
da tecnologia na gestão dos processos, mas também de dar uma publicidade mais
ampla aos atos realizados nos órgãos julgadores. Assim dispõe o artigo 4º. do
projeto: “A publicação de atos e de comunicações processuais poderá ser
efetuada por meio eletrônico e considerada como data da publicação a da
disponibilização dos dados no sistema eletrônico para consulta externa.”
4 – Conclusões
A partir do que foi
exposto é possível perceber que atualmente existem grandes diferenças na forma
de apresentação de informações processuais encontradas nas páginas dos tribunais
de Justiça. A adoção de sistemas informatizados está melhorando a gestão do
serviço judicial prestado pelo Estado, ao mesmo tempo em que amplia em muito a
difusão de informações para o público em geral. Em alguns casos pode-se afirmar
que a adoção de tecnologia tornou as movimentações processuais disponíveis na internet
uma foto do que acontece no papel.
O acesso cada vez mais
facilitado a internet permite que qualquer pessoa possa realizar pesquisas
relativas à processos judiciais com um mínimo de informações disponíveis. O
nome de uma parte, por exemplo, pode ser um argumento suficiente para que todos
os processos no qual ela participa sejam listados. A facilidade na busca pela
informação é uma grande vantagem para os participantes de um processo, porém
pode se tornar um grande problema. O acesso universal e ilimitado a
esse tipo de informação pode facilmente ser uma porta aberta para que a
privacidade dos envolvidos em um litígio judicial seja violada.
Alguns casos, relatados
em outros estudos, e facilmente verificados em uma rápida navegação, mostram
que algumas páginas de tribunais não fazem nenhum tipo de controle de pesquisa
por nome. Nesses casos, mesmo processos que envolvam menores de idade e
questões de família são facilmente encontrados.
A Justiça do Trabalho
manteve por algum tempo a possibilidade de consulta processual por nome de
partes. Foi constatado que estava sendo montada uma lista negra de
trabalhadores que procuravam a Justiça. Por esse motivo, em 2002 o Tribunal
Superior do Trabalho cancelou a possibilidade de busca por nome do trabalhador.
Também emitiu recomendação a todos os Tribunais Regionais do Trabalho para que
aplicassem a mesma medida.
O fato é que com o uso de ferramentas de informática jurídica chegou-se
a um novo patamar em um dos clássicos princípios processuais. Esse fato tem
conseqüências no Direito tradicional, pois permite novas reflexões e conclusões
sobre o impacto do uso de novas tecnologias no mundo jurídico. José Carlos de Araújo ALMEIDA FILHO comenta
que a doutrina e a própria lei já relativizaram a publicidade dos atos
processuais. O problema atual é que o poder conferido ao magistrado a partir
dessa relativização pode ser demasiadamente grande.
Segundo o autor "o
processo moderno não deve ser intimidar diante das novas tecnologias, ao mesmo
passo em que as novas tecnologias não podem suplantar princípios seculares
consagrados". E estes dizem respeito à proteção a pessoa humana em sua
individualidade, não apenas aqueles considerados do ponto de vista coletivo ou
do bem da coletividade, como é o caso do princípio da publicidade. Note-se que
houve, e ainda não há um consenso sobre o assunto, casos em que foram
modificadas as formas de apresentações de conteúdos nos sites dos tribunais por
conta de se levar em conta o desrespeito ao direito da privacidade e intimidade
do cidadão. O que vale mais, o principio da privacidade ou o direito à
privacidade?
Verifica-se aqui todo
um conjunto de possíveis paradoxos decorrentes desses princípios que garantem
bens de conteúdos contraditórios. Efetivamente, existe uma necessidade de se
produzir soluções jurídicas, para o presente e futuro, tanto no nível
administrativo (que é o contexto deste artigo) como nos casos particulares de
real conflito de interesses em que se exige a manifestação judicial do Estado. Diante
da complexidade sempre crescente da sociedade e do direito se deve dar especial
atenção à aplicação dos princípios. Mesmo tendo conteúdos paradoxais, são
fundamentais quando observados do ponto de vista de suas repercussões nos casos
concretos. Na busca da melhor solução, há que se enfrentar os paradoxos da
sociedade atual, e aqui a tarefa de interpretação das normas passa a ter
fundamental importância. Por outro lado, esses princípios balizadores existem
no sistema porque não existem no sistema, isto é, estão em construção
permanente, num processo em que cada decisão é pressuposto de uma decisão
posterior, tornando possível que novas e criativas diferenças possam ser
introduzidas, mantida a coerência interna do sistema.
Enfim, a idéia geral defendida
é a de que a confrontação entre princípios deve ser regida pelo valor ao qual
estes se referem e nesse caso os princípios que procuram resguardar a dignidade
da pessoa humana estariam em nível hierárquico superior ao princípio da
publicidade. Isto, contudo, não é garantia de que não haja hoje abusos por
parte dos tribunais ou que no futuro uma interpretação mais ou menos restritiva
não possa ser adotada pelo conjunto geral dos tribunais com o aval da sociedade
civil.
Ao mesmo tempo, não se
pode negar que publicidade de atos processuais pela internet, torna esses
registros acessíveis no ambiente mais público da atualidade. Pois acesso à
Justiça não se dá apenas pela possibilidade de ingressar com uma ação, mas de
acompanhar sua trajetória na busca por um julgamento justo. Para ver a justiça
sendo feita é requisito essencial oferecer maneiras para que o jurisdicionado
possa acompanhar e fiscalizar o serviço. Nesse sentido, a amplitude de algumas
informações prestadas na internet tornam o acompanhamento processual um meio
válido e legítimo na busca de uma Justiça mais célere e transparente. Isso
caracteriza a pesquisa pública como um instrumento democrático para um maior
acesso à Justiça, e para que possa ser exigida a efetividade e transparência da
prestação jurisdicional.
É vital ressaltar que
da mesma forma que alguns tipos de processos de papel estão protegidos por
servidores e magistrados, as consultas processuais na internet também precisam
do mesmo tratamento. As restrições de publicação às quais estão sujeitos os
processos continuam válidas, e nem pode ser diferente. Para isso nunca é demais
lembrar alguns dos dispositivos da Constituição Federal: “a lei só poderá
restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou
o interesse social o exigirem” e “são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação”.
Processos que tramitam
em “segredo de justiça” necessitam de limitação na publicidade de seus atos. A
consulta de ocorrências dessa natureza deve ser permitida de forma restrita,
onde somente as partes ou seus advogados acessem a informação. Também é
necessária a adoção de formas específicas de proteção às partes de processos
criminais. Pois preceitua nossa lei maior em palavras cunhadas pelo tempo da
evolução humana que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória”
Também deve haver controle
específico de publicação para a divulgação de feitos que, se conhecidos
anteriormente, podem frustar o bom andamento do processo. Incluem-se nessa
espécie decisões concedendo liminar ou decretando prisão, por exemplo. Este
tipo de comportamento visa resguardar em sigilo atos que de determinam ações a
serem tomadas no processo. Isto evita que uma possível atitude com objetivo
impedir o cumprimento de atos determinados pelo juiz seja tomada anteriormente
ao seu efetivo cumprimento.
De qualquer forma, resta
o questionamento: teria o princípio da publicidade a possibilidade de
realizar-se em sua totalidade, respeitando os limites da privacidade e
dignidade humanas? Será que com o advento do processo judicial público na
internet pode-se afirmar que a plenitude do princípio da publicidade em relação
aos atos judiciais foi conquistada? Uma resposta definitiva não pode ser dada
facilmente. Mas é de extrema importância que seja feita uma discussão ampla
sobre o assunto. Além disso, é necessário que o uso de tecnologias de
certificação digital ainda possam dar um caráter oficial as informações
veiculadas para consulta. A segurança e confiabilidade das informações disponíveis
na Internet são fundamentais.
Aliar a agilidade da rede mundial de computadores com a segurança
oferecida pelas técnicas de segurança da informação é um dos caminhos mais viáveis
para melhorar a comunicação entre o Poder Judiciário, os advogados e as partes
de um processo. A solidez das informações difundidas pelos tribunais é
essencial para que seu caráter seja oficial. Recentes julgamentos invalidaram
informações prestadas pelo próprio órgão quando em desconformidade com os autos
físicos.
A Justiça Brasileira vem constantemente buscando incorporar os avanços
tecnológicos, com o propósito de qualificar o tratamento dado às informações
geradas pela atividade jurisdicional. Porém é necessário que junto a tal
evolução sejam estabelecidos critérios objetivos para que o maior nível de
transparência oferecido seja harmônico com os direitos e garantias conquistadas
ao longo de nossa história.
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