Para iniciar o tema, apresento um artigo produzido para a disciplina "Teoria Geral dos Sistemas" do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC/UFSC). O título do trabalho é "Sistemas Jurídicos e Tecnologia: evoluções e influências". Foi originalmente publicado na Revista Alfa-Redi (Lima), v. 107, 2007. Disponível em: http://www.alfa-redi.org/node/8961
Por Alexandre Golin Krammes e Marcelo Herondino Cardoso
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Sistemas
Jurídicos e Tecnologia: evoluções e influências
RESUMO - O presente artigo tem
como objetivo analisar a evolução dos sistemas jurídicos e tecnológicos, além
de avaliar a influência que um exerce sobre o outro. Será feito um paralelo
sobre as maneiras com que esses dois sistemas essencialmente distintos evoluem,
ressaltando a rapidez com que as mudanças ocorrem. Em um segundo momento
pretende-se debater acerca da influência que é exercida em cada sistema quando
um determinado grau de evolução é atingido. Avanços tecnológicos influenciam no
direito? A legislação e a jurisprudência conseguem ditar os rumos do avanço
tecnológico? Qual o nível de integração existente entre os dois sistemas?
PALAVRAS-CHAVE:
Tecnologia, Direito, Sistemas.
ABSTRACT -
The goal of this article is to analyse the evolution of legal and technological
systems, and also to evaluate the influence of one on the other. Initially it
will be done a paralel on the ways of evolution of these two systems, with a
special attention to the speed of the changes. In a second moment the intention
is to dissert on the influence that occurs on each system when some level of
evolution is reached. Can technological advances change the law? Or, can the
law and jurisprudence dictate the ways of technological evolution? What is the
level of integration between both systems?
KEYWORDS:
Technology, Law, Systems
1. INTRODUÇÃO
À primeira
vista, direito e tecnologia são ciências que possuem poucas características em
comum, mormente por tratarem de ramos tão diversos do estudo científico. E por
muito tempo foram estudadas e concebidas dessa forma isolada. A pouca
integração entre elas se deu, mais das vezes, por mera conjunção de fatos, que
ocorridos no momento certo proporcionaram alguma relação entre as disciplinas.
Uma nova forma
de conceber a ciência, com ênfase na multidisciplinaridade, vem lançar luz
sobre o desenvolvimento até então isolado do direito e da tecnologia. No
momento presente já se concebe, e de certa forma é inevitável, o surgimento de
novos estudos multidisciplinares que possam executar a ligação constante entre
as duas originais. Com isso, é importante traçar cenários que possam indicar o
caminho que será criado com a evolução natural dos dois sistemas.
Como menciona
o professor Aires Rover, o fenômeno informático se apresenta ao direito de duas
formas: como objeto e como meio. Ampliando o conceito para tratar a tecnologia
de maneira ampla pode-se nomear dois recentes ramos do conhecimento humano que
são o Direito da Tecnologia e a Tecnologia do Direito. A primeira matéria visa
regularizar o avanço e o uso das novas tecnologias pelas pessoas, bem como
analisar suas conseqüências. A segunda, aplicar os novos recursos tecnológicos
na resolução de conflitos ocorridos na sociedade, principalmente buscando
celeridade dos processos e segurança jurídica.
Considerando o
direito e a tecnologia como sistemas, inicialmente é necessário entender como
ocorre a evolução de cada um, bem como quais são suas principais
características. A seguir será possível avaliar quais os atuais pontos de
integração entre essas duas criações do conhecimento humano, possibilitando a
medir e avaliar a intensidade e velocidade da influência que tais sistemas tão
distintos exercem um sobre o outro.
2. A EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS
JURÍDICOS
Cada país
possui um direito que lhe é próprio, assim como grande parte de seus
componentes internos, quais sejam, estados-membros, municípios, organizações e
comunidades não estatais. Apesar de haver uma supremacia do direito nacional é
inegável que outros entes também possuem seu direito. Ou seja, a multiplicidade
dos direitos é um fato inegável, por as regras jurídicas permeiam as mais
diversas formas de organização social, sejam em um nível macro ou micro. A
partir desta premissa, e de maneira geral, é possível afirmar que existe um
grande número de subsistemas jurídicos dentro um mesmo país.
Como cita René
David, “na verdade é um aspecto superficial e falso ver no direito simplesmente
um conjunto de normas” (DAVID, 2002). O direito realmente concretiza-se de
maneiras distintas numa época e num dado país. Contudo, o fenômeno jurídico é
muito mais complexo. Cada direito, seja ele aplicável a toda uma sociedade ou
apenas a uma organização, constitui de fato um sistema. Nesse sentido, assim
como evoluem as sociedades e as formas de organização humanas, as regras do
direito também precisam evoluir.
Para analisar
o fenômeno jurídico como um grande sistema é necessário perceber que seu
caráter mais marcante é o de regular as relações entre pessoas, organizações e
a coletividade. Esta acepção tem como base princípios éticos gerais, porém
estudar o tema a partir de uma base tão ampla possivelmente não permita
conclusões válidas para a finalidade do presente estudo. Para isso propõe-se
uma visão mais restrita, que considere principalmente subsistemas do direito de
acordo com suas origens históricas.
Assim, de
forma bastante simplista pode-se afirmar que existem três grandes sistemas
jurídicos e que foram adotados historicamente pelas diversas nações no
gerenciamento de suas regras de convivência e conflitos: o sistema romano-germânico,
o sistema da common law e o sistema dos direitos socialistas. Essa
distinção é feita a partir de um agrupamento que leva em consideração as
principais fontes do direito em diversos países.
O direito
vigente no Brasil tem suas raízes no sistema romano-germânico, que tem como base
principal um conjunto de regras genéricas, compiladas em leis e códigos, e
aplicadas posteriormente pelos tribunais. Nesses casos a legislação tem papel
fundamental e é a principal fonte jurídica. Mesmo em países influenciados por
essa corrente é cada vez maior e mais claro o reconhecimento de que a doutrina
e a jurisprudência possuem grande importância para a evolução de um sistema
jurídico proposto a regular a vida em sociedade e solucionar conflitos de forma
eficaz. Isso ocorre porque é impossível definir teoricamente todas as condutas
humanas, de maneira que a construção de novas hipóteses e a apreciação de casos
reais consequentemente amplia o debate sobre os textos legais.
Nos países
influenciados pela common law a importância da lei escrita, de certa
forma, é minimizada. Nos Estados Unidos, por exemplo, a principal fonte do direito
são os fatos levados a julgamento perante um tribunal. Apesar da existência de
leis escritas contendo princípios gerais, neste sistema o direito
desenvolve-se principalmente a partir das sentenças dos juizes. A análise de
casos concretos levados às cortes de Justiça torna-se nesse sistema a principal
fonte do direito.
Qualquer que
seja a raiz adotada, a evolução dos sistemas jurídicos ocorre principalmente
devido as mudanças sociais em cada período histórico. Múltiplos fatores
contribuem na evolução do direito ao longo do tempo, principalmente a mutação
dos costumes e as novas condições de vida proporcionadas. Essa afirmação tem
validade restrita em países que tem como base principal regras de cunho
religioso onde as mudanças são muito mais lentas e controladas.
Concentrando a
atenção sobre estes dois subsistemas percebe-se que a evolução ao longo do
tempo ocorre de formas distintas. No caso da raiz romana as novas leis são
sempre precedidas por longas discussões nos parlamentos. Geralmente a
tramitação é longa e ao final o novo texto traz consigo uma exposição de
motivos detalhada, que justifica sua promulgação. O mesmo ocorre com as sentenças
proferidas por qualquer grau de jurisdição, que devem ser motivadas para que
sejam revestidas de validade legal. Já no caso da common law a evolução
ocorre mais dinamicamente, na medida em que novas situações são diariamente levadas
às cortes de Justiça.
Qualquer que seja
a forma de estruturação do direito aplicado, o importante é notar que sua
evolução é lenta e gradual, sendo que na maioria das vezes ocorre após um
clamor social ou a formação de uma nova conjuntura política.
3. A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
Há
aproximadamente 4.000 anos, por volta de 2.000 a.c., povos primitivos
desenvolveram sistemas de numeração e cálculo bastante eficientes. Cerca de 500
anos mais tarde, surgiu o primeiro modelo de ábaco que se tem conhecimento. O
instrumento mostrou-se tão simples de usar e eficaz que por muito tempo – pelo
menos até o século XVII - reinou absoluto e ficou marcado como a primeira
“inovação tecnológica” que se tem notícia, ao menos se levarmos em conta os
aspectos computacionais da tecnologia.
Em 1642,
Blaise Pascal apresenta “La Pascaline”, uma máquina de calcular rudimentar
capaz de efetuar somas e subtrações. A invenção de Pascal foi aprimorada em
1891, quando Gottfried Leibnitz cria uma máquina capaz de realizar cálculos de
multiplicação e divisão. Já no início do século XIX, Charles Babbage idealizou
uma máquina que, em tese, seria capaz de realizar cálculos mais complexos, como
funções logarítmicas e trigonométricas. Suas idéias, no entanto, não puderam
ser provadas na época, uma vez que o protótipo construído ficou aquém das expectativas.
Em 1847 e 1854, respectivamente, George Boole publicou os livros A Análise
Matemática da Lógica e Uma Investigação das Leis do Pensamento, que deram a seu
autor o título de inventor da lógica matemática e formam a base da atual
Ciência da Computação.
No ano de
1890, um problema prático forçou o surgimento de uma inovação tecnológica.
Durante a realização de um censo nos Estados Unidos, Hermann Hollerith percebeu
que só conseguiria apurar os dados da pesquisa quando já fosse tempo de
realizar outro censo. Face a esse problema, inventou uma máquina, baseada no
armazenamento de informações em cartões perfurados, que permitiu a apuração em
apenas seis semanas. Ainda assim, as engrenagens desse “computador” eram muito
numerosas e complexas. Apenas em 1903, surge o primeiro computador 100%
eletrônico, utilizando a álgebra booleana (0 e 1).
Após isso,
apenas durante a segunda guerra mundial, motivado por interesses militares, o
desenvolvimento dos computadores eletrônicos ganhou força. A partir de então, a
bibliografia existente caracteriza basicamente cinco gerações de computadores,
com marcos que as distinguem. A primeira aconteceu entre 1940 e 1952, sendo
constituída dos computadores à base de válvulas eletrônicas, com aplicação
especialmente nos campos científico e militar. A segunda geração, de 1953 a
1963, marcou a substituição das válvulas por transistores e dos fios por
circuitos impressos. Com o surgimento dos circuitos integrados, vêm a terceira
geração de computadores, que durou de 1964 a 1971. Nessa geração, começam a ser
usados os sistemas operacionais, uma revolução na capacidade de processamento e
quantidade de tarefas executadas pelos equipamentos.
A quarta
geração, de 1971 a 1981, caracteriza-se pelo grande aperfeiçoamento da
tecnologia, tendo como marco inicial o lançamento do microprocessador. A partir
de 1981, começa a quinta geração, que persiste até hoje. Nela, a ênfase é dada
a personalização dos equipamentos e serviços tecnológicos, com os recursos
surgindo com uma velocidade espantosa. É aqui que entram as modernas
tecnologias de informação e comunicação (TIC), que permitem as pessoas de
qualquer parte do mundo trocar informações e realizar pesquisas sem sair de
suas casas ou empresas. A popularização da internet provocou uma explosão
tecnológica como nunca vista, em todos os setores e segmentos. Aplicações
apenas imaginadas passaram a ser realidade, o que provocou um salto de
qualidade em diversos setores da sociedade.
Tendo iniciado
de forma extremamente lenta, a evolução tecnológica alcançou em nossos dias uma
velocidade impressionante, produzindo o que diversos autores denominaram de “a
era da informação”. Essa agilidade contrasta com a evolução dos sistemas
jurídicos, cuja evolução é naturalmente morosa e gradual como demonstrado na
primeira parte desse estudo.
4. IMPACTOS E INFLUÊNCIAS
O impacto do
avanço tecnológico no campo jurídico ocorre de forma gradual e progressiva. Nem
sempre a disponibilização de um novo recurso tecnológico reflete imediatamente
no direito, embora a rapidez com que isso ocorre esteja aumentando. Além disso,
o grau com que o progresso tecnológico consegue penetrar no âmbito jurídico
varia conforme algumas situações. MACHADO e NUNES (2003) argumentam que esse
nível de influência é “fortemente dependente da cultura jurídica vigente, assim
como do enquadramento legal possível do uso desses mesmos artefactos, seja ao
nível da utilização das chamadas provas científicas, seja no que diz respeito
ao uso das novas tecnologias informáticas de informação e comunicação”.
Um fator
vantajoso para a tecnologia é que parece ser consenso que sua utilização
possibilita criar maior proximidade entre a justiça e os cidadãos. Além disso,
contribui para aumentar a celeridade da Justiça, um anseio e uma necessidade da
sociedade moderna. Ainda assim, os artefatos tecnológicos nem sempre caminharam
em conjunto com o mundo jurídico. Embora não tenham sido pesquisadas
referências exatas, os primeiros registros do uso efetivo de recursos tecnológicos
no direito dão conta apenas do armazenamento de informações acerca de partes e
processos para posterior consulta. E por muito tempo foi assim, certamente
pouco para o imenso potencial que a tecnologia já tinha a oferecer.
Mais
recentemente, talvez pressionado pelo assustador crescimento tecnológico, o
mundo jurídico passou a discutir mais intensamente o uso desses recursos, como a
utilização de vídeo-conferência para ouvir partes e testemunhas, prática
contestada de forma veemente por alguns estudiosos. Mas também é crescente a
análise de outras ferramentas de efeitos comprovadamente positivos, como a gestão
de processos judiciais em meio eletrônico. De forma ainda tímida, parece que o
desenvolvimento tecnológico começa a acelerar o desenvolvimento do sistema jurídico
vigente. Apenas para mensurar de forma parcial a demora com que o direito
recebe a tecnologia para melhorar seus processos, vale mencionar que tramitou por
sete anos no congresso o projeto de lei n. 5.828, que atualmente regulamenta o
funcionamento dos processos judiciais de forma eletrônica.
Marcos Alaor
Dinis Grangeia citado por Pedro Madalena explica os novos horizontes ao
Poder Judiciário proporcionados pelo advento da computação. "O surgimento
do computador possibilitou a abertura de novos horizontes para agilizar os
serviços forenses e inserir o Poder Judiciário em uma nova filosofia, voltada
para atender o seu cliente final, o cidadão." (MADALENA, 2003) Mas ao
mesmo tempo em que o cenário de aplicação de novas tecnologias na rotina
forense é promissor, todas as vantagens podem ficar comprometidas pela
falta de visão e preparo técnico dos agentes responsáveis
por sua aplicação. No mesmo sentido é necessária vontade política para que
sejam feitas alterações legislativas necessárias, e que permitam uma mudança
efetiva no âmbito do Poder Judiciário.
A outra
situação relacional, entre o direito e a tecnologia, no entanto, não ocorre de
forma tão tímida. O número de casos judiciais envolvendo o uso de ferramentas
tecnológicas aumenta cada vez mais. E tendem a não diminuir em curto prazo. As
relações entre pessoas e organizações tiveram suas possibilidades bastante
ampliadas, principalmente com a disseminação da internet. Atualmente contatos e
ações quase que instantâneos, independente do local onde estejam as pessoas, geram
compromissos e conseqüências para todos os envolvidos. Uma análise rápida
apenas na área criminal já pode dar bem a idéia dessa influência.
Um exemplo que
pode ser relatado brevemente, e que demonstra a intensidade com que as regras jurídicas
devem ser repensadas frente aos avanços tecnológicos, é o processo Don King vs.
Lenox Lewis. O caso versando sobre difamação foi o primeiro onde houve
permissão para um residente nos Estados Unidos atuar fora de sua jurisdição
contra outro residente do mesmo país. King foi acusado de postar difamações de
cunho anti-semita na internet. As declarações teriam sido postadas na
Inglaterra e a defesa decidiu invocar a competência do direito inglês para
decidir a demanda.
No Brasil
estima-se que 50% dos casos de calúnia e difamação sejam motivadas por
publicações na internet. É necessário que conceitos jurídicos sejam seriamente
repensados quando questões ainda mais graves surgem no mundo dos computadores. No
mundo são crescentes os casos de desvio de dinheiro, tráfico de drogas,
pedofilia, criação de vírus e equipamentos destinados para a fraude. A questão
assume contornos ainda mais dramáticos quando as discussões não versam sobre as
possibilidades de um usuário comum de computador, mas sobre o que pode surgir
com uso de tecnologia de ponta, fruto de investimentos infindáveis, como a
clonagem de seres vivos.
Com a
ampliação do uso de ferramentas tecnológicas para todas as áreas do direito
fica ainda mais notável o grande número de questionamentos jurídicos e de demandas
efetivas que tendem a surgir sobre o tema. A quantidade de desafios lançados ao
direito será intensificada diariamente. Isso exige competência e visão dos
operadores jurídicos, para que não se tornem conservadores de formas antiquadas
de aceitar a tecnologia e, pior, disseminadores de práticas que possam ofender
direitos humanos e de respeito ao planeta.
5. A INTEGRAÇÃO ENTRE OS
MODELOS
O professor
Aires José Rover explica de forma bastante didática como a crescente informatização
interage com o direito. Segundo ele o fenômeno informático nas ciências
jurídicas apresenta-se hora como objeto, hora como meio. Como objeto, essa
relação definiria o Direito da Informática, responsável pela constante
discussão e regulamentação quanto ao uso dos computadores. Seu campo de estudo
abrange as normas jurídicas que devem regular o uso de sistemas eletrônicos na
sociedade e suas conseqüências. E também toda a análise jurídica, que atinge os
direitos à privacidade, informação e liberdade, a tutela dos usuários e a
proteção do software. Como meio, essa integração recebe o nome de Informática
Jurídica, e diz respeito “ao emprego da metodologia e das técnicas de
processamento de informações via computador na arte e na Ciência do Direito”
(ROVER, 2001).
Quanto ao primeiro
novo campo jurídico, o Direito da Informática, é útil ressaltar que o termo
utilizado no presente estudo é apenas uma entre as diversas propostas de
denominação desse amplo e novo campo multidisciplinar. A pretensão aqui não é
abordar qual seria a terminologia mais adequada, mas sim sua abrangência
teórica. O objetivo principal do chamado Direito da Informática é o de
proporcionar respostas para todas as questões derivadas da nova realidade
social proporcionada pelo massivo acesso à informação. Os assuntos são os mais
diversos e se espalham por várias áreas do direito. Rapidamente é possível
citar as questões advindas do comércio eletrônico, dos crimes cometidos pela
internet, da troca de material protegido por direitos autorais, do direito à
privacidade, etc.
Vale a pena
transcrever a visão do magistrado Renato Luís Benucci sobre o assunto. “Tal
aspecto da interação entre o direito e a tecnologia, ou seja, a possibilidade
de normatização das várias situações decorrentes do uso da tecnologia da
informação, que no campo do direito privado, quer no campo do direito público,
sem olvidar aspectos relacionados ao direito penal, tem representado verdadeiro
desafio para juristas, técnicos e legisladores” (BENUCCI, 2007). O certo é que
as discussões jurídicas sobre tais questões estão apenas iniciando e necessitam
agilidade dos pensadores jurídicos. A dúvida é saber se a tradicional estrutura
do direito, principalmente nos países que adotaram o sistema romano-germânico,
conseguirá dar conta de mudanças sociais tão rápidas.
Não menos
importante é o estudo da outra disciplina criada pela integração entre o
direito e a tecnologia, qual seja, a Informática Jurídica. A diferença é que
nesse ponto o debate passa por critérios mais técnicos do que filosóficos. A
grande questão nesse sentido é pensar as formas de aplicação dos recursos
tecnológicos para a melhoria da prestação jurisdicional.
Os primeiros estudos
nesse ramo de conhecimento iniciaram nos anos 60 e baseavam-se na manipulação
bancos de dados com leis, doutrinas, jurisprudências ou outras matérias de
interesse jurídico. Com o avanço das iniciativas foi notado que a partir de
tais bancos de dados era possível obter mais do que informações prontas e
acabadas. Nesse momento surge a informática jurídica de gestão, voltada para a
produção e gerenciamento de atos jurídicos como emissão de sentenças e atos
cartorários. “Ocorre que, se as informações eram exatas e os procedimentos
igualmente confiáveis, podia-se chegar a algumas conclusões, ou melhor, a
determinadas decisões. Esta forma de organizar as informações deu origem à
Informática Jurídica Decisional (a partir de 1980)”. (ROVER, 2001, p.15)
Atualmente a
Informática Jurídica voltada para a gestão de trabalhos forenses possui estudos
e experiências práticas muito valiosas. Uma grande quantidade de ferramentas
tecnológicas já é utilizada em tribunais e outras instituições e os resultados
são extremamente positivos. Um dos recursos que merece destaque é o chamado workflow,
ou em português, fluxos de trabalho. Basicamente essa ferramenta permite
que processos judiciais em meio eletrônico tenham procedimentos definidos de
acordo com sua natureza e finalidade. Quanto a Informática Jurídica Decisional,
merecem destaques os estudos realizados pelo professor da Universidade Federal
de Santa Catarina Aires José Rover e pelo magistrado aposentado e advogado
Pedro Madalena. Seus ensinamentos são provavelmente os primeiros já feitos no
Brasil sobre aplicação de sistemas especialistas e inteligência artificial no
direito.
O fato é que a
integração entre os sistemas jurídicos e as novas tecnologias da informação e
comunicação parece caminhar a passos largos e de forma inexorável. Juiz de direito
em Pernambuco, Alexandre Freire Pimentel alerta para os problemas que podem ser
encontrados nessa tarefa de integração, reconhecendo as falhas inerentes aos
dois sistemas, especialmente a ambigüidade e subjetividade do texto legal. Um
fator importante levantado pelo magistrado é com relação à resistência do campo
jurídico à mudanças. Pimentel comenta que “temos sempre a mania de colocar o
vinho novo em oldres velhos” e ainda sugere cuidado especial ao separar
informatização de “computadorização”: “não vamos resolver nossos problemas
apenas colocando em mídia eletrônica o que hoje está em papel”. De fato esse é
um ponto de vista correto. A mudança nas formas de pensar deve necessariamente
permear todas as discussões, em prol de uma evolução de conceitos. Para ele, a
tecnologia deve proporcionar uma nova concepção de processo, a qual, “além de
incorporar as novas tecnologias, abranja o redimensionamento de conceitos
jurídicos”. (FERRARO et al, 2004).
Será de grande
importância para o sucesso de qualquer projeto científico e prático sobre
Informática Jurídica a reforma de velhos conceitos jurídicos. Principalmente no
direito processual, uma série de novas concepções deverá acompanhar a inserção
de recursos tecnológicos nas rotinas forenses. A própria regulamentação de uso
de tais tecnologias deverá ser precedida de discussões que levem em conta uma
nova realidade. Pois não se pretende apenas transformar papel em bits, mas sim
potencializar o uso da tecnologia, permitindo a percepção de vantagens
concretas na operacionalização do direito. Isso faz que a reforma de códigos e
a criação de legislação adequada seja tarefa essencial para uma integração
eficiente e proveitosa de sistemas originalmente tão distantes.
Não obstante,
cabe ressaltar a importância do “capital humano” neste processo de
multidisciplinaridade. Já em 1997, quando pouco existia de integração entre os
sistemas jurídico e tecnológico, a apresentação da 5ª Conferência Tecnológica
dos Tribunais, realizada nos Estados Unidos já dava conta que “A tecnologia é
um poderoso instrumento de trabalho, mas não passa disso e de pouco servirá sem
o empenhamento dos mais altos responsáveis e sem a motivação dos
utilizadores”. De fato, a efetiva integração das disciplinas passa
necessariamente pelo campo social, uma vez que não será realizada sem a forte
participação das pessoas envolvidas nesse processo.
6. CONCLUSÃO
Direito e
tecnologia são áreas da ciência que, em um contexto histórico, pouca influência
ou governabilidade tiveram uma sobre a outra. A primeira foi desenvolvida e
solidificada há mais tempo, sendo tradicionalmente revestida de formalidades e pouco
propensa a mudanças em sua forma. A outra, por sua vez, tem por característica
básica a mutação e evolução constante, o que a torna essencialmente dinâmica. A
tecnologia, que há algum tempo não oferecia recursos que pudessem atrair para
suas hostes outros ramos da ciência, desenvolveu-se de tal forma que sua
utilização passou a ser praticamente essencial à sobrevivência das outras
disciplinas.
Atualmente é
importante que ocorra um constante diálogo entre juristas e tecnólogos, e esse
diálogo deve abranger os dois sentidos mencionados no presente estudo. Em um
primeiro momento, a aplicação de tecnologia no direito merece uma apreciação
pormenorizada de adequação, de forma a oferecer vantagens na busca pela Justiça
conservando a legalidade dos feitos. A variedade de novos instrumentos para o
gerenciamento de grandes quantidades de informações é inegável. Principalmente
os operadores do direito devem estar abertos a novas idéias e concepções
processuais, para que o estudo e a adoção das possibilidades que a tecnologia
oferece não criem apenas novas formas de burocracia.
Da mesma forma
a tecnologia necessita que seus pensadores tenham constantemente uma posição
ética de criação e experimentação, que não viole direitos humanos e conquistas
da humanidade. Ou seja, é necessário que o avanço tecnológico evolua em
harmonia com os princípios que regem a boa convivência social. De outra parte,
é necessária agilidade na discussão dos efeitos jurídicos provenientes das
condutas pessoais que tomam forma em meios eletrônicos de comunicação e
interação social. Mais que agilidade, que naturalmente não é uma característica
de países do sistema romano-germânico, a discussão exige transparência.
Nesse sentido,
as palavras de Rodrigo Guimarães Colares, quando trata do Projeto de Lei de
Crimes de Informática são um alerta. O diretor do Instituto Brasileiro de
Política e Direito da Informática (IBDI) comenta que apesar de ser importante a
existência de dispositivos legais para punir crimes cometidos em meios
eletrônicos, “por outro é preocupante saber que, nos próximos dias, poderá ser
aprovado pelo Senado um texto cuja tramitação não teve transparência, não
contou com a participação de importantes segmentos da sociedade e parte de
premissas no mínimo estranhas ao ordenamento jurídico brasileiro” (COLARES,
2007). Lembrando que o início de tramitação de tal projeto foi no ano de 2004.
Seja no
Direito da Informática ou na Informática Jurídica, o desejo é que visões amplas
e essencialmente multidisciplinares sejam as guias nesse processo de
integração. Os desafios são grandes, mas as vantagens advindas dessa nova
realidade serão maiores ainda.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MACHADO, Helena; NUNES, João Arriscado. Uso e
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https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/3329/1/Comunica%C3%A7%C3%A3oAPS.pdf
MARTINS, Leonardo Pereira. DA UTILIZAÇÃO DE MEIOS
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MADALENA, Pedro; OLIVEIRA, Álvaro Borges de. Organização
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ROVER, Aires J. Informática no Direito - Introdução aos
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5ª Conferência Tecnológica dos Tribunais. Estados Unidos,
1997. Disponível em http://www.cidadevirtual.pt/asjp/ctc5/ctc5.html
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